Após mais de 50 anos, bondinho Santa Teresa voltará a fazer conexão com o trem do Corcovado


04/10/2025 - O Globo

Por Luiz Ernesto Magalhães — Rio de Janeiro

O fim da obra está previsto para o próximo dia 27 e terá até um passeio inaugural para convidados


Em meio ao verde. Reativado, ramal Silvestre vai integrar bondinho ao trem do Corcovado
Foto Júlia Aguiar


Os bondinhos de Santa Teresa resistiram ao tempo e emprestam charme ao bairro desde 1896, quando começaram a circular. Em obras há 12 anos, o trecho entre as estações Dois Irmãos e Silvestre — que faltava para completar todo o circuito — está em contagem regressiva para voltar a operar. Ainda este mês devem começar os testes operacionais com viagens a partir do Largo da Carioca, algumas delas até com passageiros. Mas a abertura para valer só mesmo dois meses depois.


O itinerário do bondinho
Foto: Editoria de Arte


O fim da obra está previsto para o próximo dia 27 e terá até um passeio inaugural para convidados. Desde 2008, o bondinho estava fora dos trilhos naquele trecho. Agora, a promessa é que retorne no início de 2026, e com uma novidade: quem desembarcar no Silvestre estará a poucos passos de uma estação do Trem do Corcovado — essa conexão com o Cristo Redentor estava indisponível há mais de 50 anos.

Cartão-postal histórico

O GLOBO fez o trajeto de bondinho e de carro até o Silvestre, uma região bucólica em plena Floresta da Tijuca. Nessa área, fica uma estação intermediária da linha do trem que sai do Cosme Velho e vai até a base do monumento — e está sendo restaurada para receber os passageiros do bondinho. A parada faz parte do projeto original da linha do Trem do Corcovado, inaugurada por Dom Pedro II em 1884, muito antes do próprio Cristo Redentor ficar pronto (1931). Naquela época, a ligação foi criada para levar a população até o Mirante Chapéu do Sol, ponto de observação da cidade, no local onde seria erguida a estátua.

No caso da conexão com o Silvestre, ela foi fechada ao público e nunca mais reabriu depois de uma das piores enchentes registradas na cidade, em 1966.

— A gente quer usar o Silvestre como base para um serviço que não temos hoje: um passeio sunset (ao pôr do sol). As reformas estão começando agora, com a restauração do prédio da administração. Inicialmente, abriremos um bar nos próximos meses. Mas, até o fim de 2026, queremos inaugurar ali um hotel com apenas oito quartos e um restaurante — contou Sávio Neves, presidente do Trem do Corcovado.

Paulista, a gerente de projetos de TI Fernanda Pereira Costa, de 42 anos, que visita o Rio com frequência, gostou da novidade:

— Volto ao Rio no réveillon, e tomara que essa ligação já esteja ativa. É uma opção para circular entre dois pontos turísticos importantes da cidade sem perder tempo no trânsito.


Bondinho de Santa Teresa vai abrir um novo ramal; o ramal Silvestre vai fazer a integração entre os bondes de Santa Teresa e o Trem do Corcovado — Foto: Júlia Aguiar


Mas, antes mesmo de fazer essa conexão, o passageiro poderá aproveitar o trajeto de cinco quilômetros (por sentido) entre o Dois Irmãos e o Silvestre. É possível conhecer um pouco mais de Santa Teresa, observar a imensidão verde da floresta e ver o próprio Cristo Redentor por outros ângulos. Todo o percurso teve a iluminação pública trocada para lâmpadas de LED. Os novos trilhos são semelhantes aos que são adotados no VLT Carioca, mas de outro fornecedor: emitem menos ruído que os anteriores. Para o bondinho fazer todo o percurso da Carioca até o Silvestre, falta instalar trilhos em um trecho de 300 metros. A rota está desativada desde 2008, quando cabos elétricos e peças metálicas da via foram furtados.

— A cada hora teremos uma viagem completa até o Silvestre, além de uma viagem para os demais serviços até os ramais Largo das Neves e Paula Mattos — explicou Ary Arruda Filho, diretor de Engenharia e Operação da Central, estatal do governo do estado responsável pela obra.

O ponto final do bonde no Silvestre, na Avenida Almirante Alexandrino, também encurta o trajeto para quem quer chegar a pé ao Cristo. A poucos metros da estação, começa uma trilha, que passa pela nascente do Rio Carioca, principal fonte de abastecimento da cidade nos séculos XVIII e XIX. O acesso à trilha fica ao lado de um reservatório desativado, a Caixa da Mãe D’Água.

— A expectativa é enorme. Seja qual for o trecho, é essencial que o traçado original esteja integralmente em operação — diz o diretor de teatro Amir Haddad, de 88 anos, que mora há cerca de 50 anos no bairro.

Haddad revela que muitas vezes foi um usuário indisciplinado dos bondinhos:

— Com a idade que tenho hoje, não consigo mais subir no bonde. Mais jovem, viajei muitas vezes sem pagar e de pé no estribo.

Os tempos mudaram e pelas regras atuais viajar de pé é proibido — no estribo, nem se fala. Em junho de 2011, na pior fase do bondinho, o turista francês Charles Damien Pierson, que viajava no estribo, morreu ao cair quando o bonde passava pelos Arcos da Lapa. Logo depois, em agosto, seis pessoas morreram e 57 ficaram feridas quando uma composição perdeu os freios e desceu em alta velocidade a Rua Joaquim Murtinho, tombando ao bater em um poste.

Ainda faltam seis bondes

O acidente levou o governo do estado a dar início, em 2013, a uma reformulação do sistema. A circulação foi retomada em 2016, no trecho entre a Carioca e o Dois Irmãos. Mesmo com o retorno, o bairro continuou a ser atendido por ônibus. Isso porque o número de vagas nos bondes é limitado. Dos 14 carros previstos para a retomada do serviço, apenas oito foram entregues pelo fornecedor.

— A empresa faliu. O planejamento continua a prever o uso de 14 bondes. Uma nova licitação para completar a frota está prevista para o ano que vem — diz Ary Arruda.

Na etapa atual das obras, estão sendo gastos R$ 70 milhões. Nessa conta estão as obras para reabrir o trecho até o Silvestre e reativar o ramal Paula Mattos, que voltou a operar em janeiro.

Hoje, os bondes transportam 1,8 mil pessoas nos dias de semana (das 8h às 18h30) e 2,2 mil aos sábados e domingos (das 9h às 17h). A passagem custa R$ 20. Moradores de Santa Teresa cadastrados não pagam. Para manter essa gratuidade, a operação é deficitária: a manutenção custa R$ 1,5 milhão, enquanto a receita é de R$ 500 mil.

— A conclusão das obras é importante. No entanto, o bondinho não é só para o turismo. É importante ter vagas suficientes para atender os moradores. Vamos reivindicar isso — disse o presidente da Associação de Moradores de Santa Teresa (Amast), Orlando Lemos.

Arte sobe as ladeiras neste fim de semana

Termina neste fim de semana a 33ª edição do Arte de Portas Abertas, em Santa Teresa, um dos maiores encontros de cultura a céu aberto do país. Sob o tema “Santa Teresa — um bairro sustentável”, o festival espalha obras de 180 artistas por ruas, praças, ateliês e galerias locais hoje e amanhã.

Inspirado em iniciativas internacionais como o Portes Ouvertes de Ateliers d'Artistes, de Paris, e a Setmana de l’Art, de Barcelona, o evento se consolidou como referência no calendário carioca.

—É mais do que uma mostra de ateliês: é um convite para vivenciar Santa Teresa em sua essência, unindo arte, história e a energia única do bairro — afirma Valter de Gaudio, diretor do Arte de Portas Abertas.

O público que decidir subir as ladeiras de Santa Teresa poderá visitar 32 ateliês, dez galerias e centros culturais, além de exposições no Museu Casa de Benjamin Constant e no Parque Glória Maria, o antigo Parque das Ruínas.

Colaborou Walter Farias

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